Aikido hoje: uma visão geral
por
Stanley Pranin- Aikido Journal #107 (1996)
Traduzido por André Fettermann de Andrade
Recentemente recebi a minha cópia do Aikido
Journal 106 e, enquanto a folheava, senti um certo orgulho no fato da
revista estar sendo editada continuamente por vinte anos e tenha ocupado um
lugar de importância dentro da comunidade internacional de aikido.
Desnecessário dizer o quanto agradeço a colaboração de diversos shihan que nos
apoiaram durante todos esses anos. Também expresso a minha grande admiração
pelos nossos leitores, muitos dos quais são verdadeiramente dedicados ao seus
estudos de artes marciais e que integraram esse conhecimento ao seu estilo de
vida.
Ao mesmo tempo, não pude deixar de notar que
muitos dos artigos são voltados a instrutores e praticantes com experiência.
Talvez nós estejamos assumindo com muita freqüência que os leitores do Aikido
Journal tenham um certo conhecimento em comum que inclui um mínimo de
conhecimento sobre a história do aikido e do Daito-ryu, familiaridade com os
nomes dos principais professores e um certo conhecimento das técnicas. Mas
suspeito que mais e mais dos novos leitores são novatos em artes marciais e
podem acabar de alguma forma se sentindo oprimidos pela quantidade e
profundidade de detalhes apresentados em nossas páginas. Conseqüentemente,
resolvi preparar uma visão geral do foco principal dessa publicação – a arte do
aikido. Para aqueles leitores que possam considerar isso antiquado, por favor,
me perdoem.
Aikido é uma arte marcial japonesa moderna criada
por Morihei Ueshiba(1883-1969). Ela é original como arte marcial no ponto em
que coloca grande ênfase em princípios éticos que são incorporados à execução
das técnicas. Embora Morihei Ueshiba já estivesse ativo por mais de vinte anos
antes da Segunda Grande Guerra, geralmente considera-se que a arte tenha
chegado a sua forma moderna nos anos que se seguiram ao fim da guerra.
As raízes técnicas do aikido derivam, em sua
grande parte, do Daito-ryu aikijujutsu. Esta arte de jujutsu por sua vez se
originou de várias tradições mantidas entre os guerreiros do clan Aizu. O
currículo do Daito-ryu foi modernizado e disseminado por Sokaku Takeda
começando no final do século XIX e conta-se que tenha sido a algo em torno de
30 mil pessoas. Morihei Ueshiba foi um dos principais alunos de Takeda e cujo
sucesso ajudou a inspirar um revival de interesse sobre a escola Daito-ryu.
Ueshiba também foi bastante influenciado por
Onisaburo Deguchi (1871-1948) da seita religiosa Omoto. O fundador do aikido
absorveu uma grande quantidade de ensinamentos da Omoto e a visão de Ueshiba de
um Universo em harmonia dinâmica se aproxima bastante da doutrina dessa
religião.
O aikido começou a desfrutar de um constante
crescimento em popularidade tanto no Japão quanto no resto do mundo no início
dos anos 50. Ueshiba, que nessa época já passava dos setenta anos, não foi um
dos participantes principais na disseminação do aikido no pós-guerra. Crédito
pela rápida propagação da arte deve ser dado primariamente a indivíduos tais
como Koichi Tohei, Gozo Shioda, Minoru Mochizuki, Kenji Tomiki e Kishomaru
Ueshiba.
Essas são figuras centrais e são também
responsáveis pelo desenvolvimento dos principais estilos de aikido que hoje
existem. A linhagem de praticamente qualquer linha de escola de aikido pode ser
traçada de volta até pelo menos um desses professores pioneiros. Vamos agora
voltar nossa atenção para as cinco maiores tendências do aikidô que são
baseadas nos ensinamentos desses professores citados anteriormente.
Primeiramente o Aikikai Hombu Dojo. O “Hombu
Dojo”, como é conhecido por dezenas de milhares de praticantes no mundo todo, é
a continuação direta da escola pré-guerra de Ueshiba conhecida como Kobukan
Dojo. É de longe a maior das organizações de aikido, com milhares de escolas
afiliadas por todo o mundo. A principal escola é presidida pelo Segundo Doshu
(lit., "Líder do Caminho") Kisshomaru Ueshiba (n. 1921), o terceiro
filho do fundador. O sucesso tão cedo do Aikikai e sua propagação internacional
são principalmente devidos aos esforços de Koichi Tohei (veja entrevista nessa
edição) e outros shihan do início do aikikai. Tohei fez viagens frequentemente
ao Havaí e aos Estados Unidos continental além de ter escrito uma série de
livros populares que foram traduzidos nas principais línguas européias.
Após a morte do fundador em 1969, seu filho,
Kisshomaru, assumiu a liderança do Aikikai e em 1974 Tohei se desliga. As
principais contribuições do Doshu foram na área da administração no crescimento
da arte e na modificação e simplificação do seu currículo técnico. Na escola
Aikikai, as técnicas e métodos empregados pelo fundador foram descontinuados em
favor de novos métodos pedagógicos. A aikikai não enfatiza o lado marcial das
técnicas do aikido favorecendo ao invés um foco na arte como uma disciplina de
automelhoramento com objetivo de desenvolver membros produtivos para a sociedade.
Em acréscimo à sua grande base de alunos, a
Aikikai conta com o apoio de vários grupos proeminentes de negócios e
instituições políticas. Essas conexões com a elite da sociedade japonesa se
remetem aos anos pré-guerra quando Morihei Ueshiba contava dentre os seus
alunos e pessoas que o apoiavam muitas figuras dos mundos político, militar e
dos negócios.
A Aikikai também formou muitos dos principais
shihan que atuam sob a orientação e que tem diversos seguidores próprios.
Pessoas como Shigenobu Okumura, Morihiro Saito, Sadateru Arikawa, Hiroshi Tada
e Shoji Nishio estão entre os mais antigos. Ausentes dessa pequena lista ainda
estão Rinjiro Shirata, Kisaburo Osawa e Seigo Yamaguchi que já faleceram. A
geração seguinte de instrutores inclui nomes como Masatake Fujita, Seishiro
Endo, Seijuro Masuda, Masando Sasaki, Norihiko Ichihashi e Nobuyuki Watanabe. A
essa lista deve ser incluído o nome de Moriteru Ueshiba, o filho de Kisshomaru,
que é o atual Dojo-cho e o próximo Doshu. Moriteru tem viajado extensivamente
como embaixador do aikido e também escreveu diversos livros sobre a arte.
Uma organização chamada International Aikido
Federation (IAF) (Federação internacional de aikido, em português) foi fundada
pela Aikikai em 1976 entre muita fanfarra. A IAF adotou uma estrutura piramidal
complicada e um elaborado conjunto de regulamentos. Contudo, a federação falhou
ao tentar se estabelecer como uma entidade separada do Hombu Dojo e
eventualmente acabou não funcionando direito. Embora a IAF continue existindo
no nome, nunca conseguiu ter nenhuma influência política real.
Recentemente a Aikikai tem adotado uma postura
bem de acomodação, organizacionalmente falando. Como conseqüência, um grande
número de grupos independentes os quais por uma razão ou por outra haviam anteriormente
se separado do Hombu Dojo, foram aceitos de volta em seus quadros após anos de
isolamento.
A segunda maior organização de aikido em termos
de número de praticantes geralmente considera-se ser o Yoshinkan aikido. Essa
escola de aikido foi iniciada por Gozo Shioda (1915-1994) no início dos anos
50. Shioda foi um dos melhores alunos de Ueshiba nos anos pré-guerra e seu
estilo é caracterizada por sua eficácia, técnicas tipo jujutsu e uma
metodologia bem definida de ensino. Shioda é o autor de muitos livros sobre o
Yoshinkan aikido e fez diversas viagens ao exterior.
Como a Aikikai, a Yoshinkan é bem relacionada nos
círculos políticos e dos negócios e isso tem sido um fator positivo no seu
crescimento. O controle político efetivo da organização está nas mãos de um
conselho de diretores. O mais importante shihan após a morte de Shioda chama-se
Kiyoyuki Terada. Outros professores bastante conhecidos incluem Kyoichi Inoue,
Takefumi Takeno, Tsutomu Chida e Hiromichi Nagano.
A Yoshinkan criou a International Yoshinkai
Aikido Federation (IYAF) em 1990. Em contraste a Aikikai, a Yoshinkan adotou um
sistema mais frouxo e não hierárquico para a sua organização e tem tido sucesso
em receber um constante fluxo de dojos independentes em sua rede.
Shinshin Toitsu aikido é a organização criada por
Koichi Tohei em 1974 quando se separou da Aikikai. Freqüentemente referenciada
como “Ki Society”(Sociedade Ki), como o termo implica, esse grupo enfatiza o
conceito do ki como a força dinâmica no universo. Este princípiodo ki guia a
prática das técnicas contidas no currículo da Ki Society. O grupo de Tohei
também incorpora técnicas de cura pelo ki como parte dos seus ensinamentos. Tem
uma rede nacional de dojos no Japão e várias filiais no exterior. É controlada
de forma centralizada pelo quartel general representado pelo seu dojo
localizado em Shinjuku, próximo ao Aikikai Hombu Dojo.
Tohei é autor de vários livros sobre aikido e de
assuntos relacionados ao ki e é uma das figuras mais conhecidas do aikido
internacionalmente. Como mencionado anteriormente, seu papel na difusão do
aikido no Japão e no exterior quando ainda era parte da aikikai foi
fundamental. Contudo, devido a animosidade aguda que envolve sua partida da
organização principal, o nome de Tohei foi retirado dos anais da história da
Aikikai e como resultado muitos dos praticantes hoje sequer ouviram falar dele.
Voltemos agora nossa atenção ao Tomiki aikido. Os
princípios e a prática do aikido desse grupo são baseados nos ensinamentos de
Kenji Tomiki (1900-1979). Tomiki foi um dos primeiros alunos de Ueshiba e um
importante judoca antes de ser apresentado ao aikido. Foi também um homem
bastante letrado tendo se formado em uma das mais importantes escolas de ensino
superior do Japão, a Universidade de Waseda.
Tomiki se tornou professor da universidade depois
da guerra e foi ali que ele desenvolveu suas teorias originais sobre o aikido
as quais eram fortemente influenciadas pela filosofia de Jigoro Kano, o
fundador do judô. Tomiki planejou uma série de técnicas e regras que permitiam
ao aikido ser praticado como esporte. A sua idéia era dar aos alunos uma forma
de medir objetivamente seu progresso através de competições abertas.
Tomiki escreveu intensamente sobre suas teorias
em diversos livros e ensaios. Ele conseguiu diversos grupos no Japão e no
exterior os quais incorporam a competição em seu treinamento. No entanto, a
metodologia de Tomiki foi rejeitada integralmente pela comunidade aikidoísta, a
qual considerava suas teorias diametralmente opostas aos ensinamentos éticos do
fundador, Ueshiba.
Competições locais e internacionais entre os
dojos de Tomiki aikido ainda são realizadas regularmente e o número de
afiliados ao grupo tem crescido constantemente junto com o sucesso do aikido de
uma forma geral. Os principais nomes hoje no Tomiki aikido são Tetsu Nariyama e
Fumiaki Shishida e a tomada de decisões está nas mãos do conselho diretor da
Japan Aikido Association.
Outra grande escola da arte é chamada Yoseikan
aikido. Foi fundada por Minoru Mochizuki (n. 1907), outro dos alunos iniciais
de Ueshiba e um famoso competidor de judo. Mochizuki foi enviado para estudar
no Kobukan Dojo por Jigoro Kano em 1930. Além de aikido e judo, Mochizuki
também estudou Katori Shinto-ryu e carate. A inovação de Mochizuki foi o
desenvolvimento de uma arte composta, incorporando elementos de todas as
escolas as quais ele tinha estudado. Como resultado, o Yoseikan aikido tem um
vasto currículo técnico o qual leva-se muitos anos para dominar.
Mochizuki também é muito teórico em sua
metodologia e escreveu vários ensaios tocando em uma grande gama de assuntos
relacionados às artes marciais. Ele também teve um papel importante na
propagação do aikido internacionalmente. Mochizuki é creditado como a primeira
pessoa a ensinar o aikido no exterior, tendo passado dois anos na França
começando em 1951 onde ensinou judô e aikido. O Yoseikan tem um limitado número
de seguidores no Japão, mas é muito forte na Europa, principalmente na França.
Também tem um pequeno mais dedicado grupo na América do Norte.
Embora a lista acima cubra os principais estilos
de aikido praticados hoje, há um grande número de pequenos grupos independentes
que merecem ser mencionados. O Tendokan aikido fundado por um ex-instrutor da
Aikikai chamado Kenji Shimizu tem um forte dojo em Tóquio e um grande número de
seguidores na Europa, principalmente na Alemanha. Shimizu também é co-autor do
best-seller intitulado Zen and Aikido(O zen e o aikido).
Takashi Kushida um antigo instrutor de Yoshinkan,
opera na América do Norte uma organização chamada de Yoshokai, com vários dojos
afiliados. O Seidokan aikido foi fundado por Rod Kobayashi, antes integrante da
Ki Society, e tem um forte contingente de escolas, especialmente no oeste dos
EUA. Shizuo Imaizumi tem sua base em Nova Iorque foi instrutor da Aikikai e da Ki
Society que agora opera um grupo conhecido como Shin Budo Kai.
Há diversas organizações independentes na
Inglaterra, França, Alemanha e Escandinávia. Muitos desses grupos europeus já
recusaram expressamente filiar-se a qualquer autoridade japonesa devido a
experiências negativas anteriores.
Meu grande temor ao escrever o texto acima é que
eu possa ter negligenciado a citação a importantes individuos. Com certeza sou
culpado disso e já peço desculpas antecipadamente se de alguma forma ofendi
alguém. A arte cresceu de tal forma em extensão que é praticamente impossível
para alguém se manter totalmente atualizado com tudo o que ocorre no aikido.
Ainda assim é esse constante florescimento do aikido que permitiu que milhares
de vidas de pessoas fossem tocadas positivamente e o seu envolvimento por sua
vez permitiu um nível de enriquecimento da arte sempre em crescimento.
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