terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

AIKIDO E EDUCAÇÃO

Por Tiago Tauhata
Psicólogo, Faixa Preta 1º de Aikido, Academia CLAM - Goiânia
17/02/2011




Confúcio
Nada do que vem aqui expresso é original. Feita esta ressalva, podemos continuar. Continuar até mesmo com mais tranqüilidade, ou melhor, naturalidade e humor. Afinal, sou brasileiro e sorrio facilmente e é também um preceito oriental que, nas palavras de Naoshige, “assuntos de grande importância não devem ser levados tão a sério” e “assuntos de pequena importância devem ser tratados com seriedade”. Há espaço nas discussões xintoístas sobre o riso e já houve ao menos um teólogo cristão a dizer que “o riso é o início da oração”. Nisto me situo já entre os humanos, pois são duas características distintivas de nossa espécie: o pensamento abstrato e o senso de humor. 


Preciso, todavia, explicar-me melhor. Como Confúcio, digo apenas que não trago nada de novo. Apenas repito, repasso, transmito um conhecimento milenar – milenar no meu caso, no de Confúcio seria apenas secular. A escolha do adjetivo ‘milenar’ é isenta de maior valorização do que aquela que é dada pelo próprio tempo; outros poderão preferir arcaica, retrógrada, antiquada ou simplesmente “fora de moda”, de acordo com os critérios que melhor convier ao seu relativismo moral.





Assim, nada aqui é original, pois nada mais são do que ecos de ensinamentos que se perderam ou se deturparam ao longo do tempo. Da mesma maneira, o que há neles de valioso e relevante se deve exclusivamente aos seus autores. Em contrapartida, o que neles houver de insólito ou contraditório ou mesmo de deturpado se deve às minhas próprias limitações – que são muitas, lhes garanto.

O´Sensei Morihei Ueshiba
Confúcio acredita que está na natureza humana, como um elemento essencial, o aprendizado. Ser homem é participar ativamente da gestação cultural do mundo. O propósito seria então aprimorar-se continuamente para melhor servir. Servir às demais pessoas que necessitarem e servir a algo que esteja acima do homem. Quanto às pessoas que necessitarem, basta olhar para os lados, qualquer um. Quanto às coisas, há muitas acima da cabeça do homem que não o seu chapéu ou boné ou bandana ou moicano ou tiara ou mosquitos ou pássaros ou aviões ou poluição ou satélites.

 Para o homem religioso há sempre Deus, ou deuses, ou a grande ordem harmônica de tudo, todas expressas em diversas hierofanias.

Para o homem ético, a ética e, portanto, o Bem, conceito tomado de maneira absoluta em algumas épocas e relativa em outras. Em ambos os casos, cada uma delas com seus serviços e desserviços à própria causa.

Para o homem de apurado senso estético, a beleza, ou de forma mais acurada, o Belo, apreendido mediante uma sutil habilidade de compreensão das formas estáticas ou dinâmicas, mas sempre extáticas. Para o homem de conhecimento, a Verdade.

 Talvez, entre todas as anteriores, a Verdade seja a que menos se adéqua à sensibilidade do homem contemporâneo, relativista, ateu e hedonista.

Relativista – é... mais ou menos, às vezes sim, às vezes não... depende né?
E ateu – ai meu Deus! – quando conveniente.
Hedonista, ah, hedonista sempre!

Contudo, espero que não e, como Confúcio, faço uma aposta no homem e nado contra a maré – melhor enxurrada, não estou no litoral. Ainda que esteja enganado nesta aposta, um outro pensamento confuciano vem ao meu auxílio, o de que se deve fazer o que se considera correto, ainda que seja tempo perdido. Perder tempo é inevitável, perder com algo que valha a pena é que são outros quinhentos – medir o valor do tempo pelo resultado, dependerá de que resultados você espera. Pense agora e decida se perde um pouco mais do seu tempo neste texto ou se vai pra Disneyland – um é simples, despretensioso e barato (gratuito), o outro é complexo, pretensioso e caro; o primeiro pode ser a maior furada – avisei desde o início –, o segundo, de acordo com a propaganda, é diversão garantida. Você, leitor, – se tenho ainda algum nesta altura deste circunlóquio – é livre para escolher, mas saiba desde já que não estará livre das conseqüências de sua escolha. Vai, eu espero... pode escolher.

Kishomaru Ueshiba
A escolha foi sim, com 12% dos votos inventados, para continuar com a leitura.
Os outros 88%, a esta hora, já me xingaram e daqui a pouco me esquecerão.

Não culpo ninguém em particular, mas a todos culpo um pouquinho. Porque o estado de coisas chegou até este ponto por que fomos seduzidos. Desistimos ao sermos convencidos de que esta é uma era maravilhosa porque a tecnologia é maravilhosa, a facilidade é maravilhosa, a vida, então, é MARA, mas como diz a música ‘Contabilidade’, inspirada nas tirinhas da Mafalda, e apresentada no Festival Cultura de Música Brasileira de poucos anos atrás, vivemos em uma época em que “felicidade se conta com conta-gotas”, “igualdade se conta no contra cheque” e “fraternidade se conta em genocídios”. É mais fácil consumir que assumir, mais fácil destruir que criar.

Então como o burro dos desenhos animados que persegue uma cenoura em uma vara de pescar e arrasta uma carroça com um cara apressado a chicotear o seu lombo, fugimos da dor e buscamos o prazer. E somos livres como são os animais de carroça.

 Difícil, sim. Quase impossível atribuir sentido quando tudo parece despropositado, quando o caos em seu nome clean de acaso vai soterrando as possibilidades de nos tornarmos humanos.

Quando a cada verdade exclusiva – são sempre exclusivas, já repararam? – exigem que abandonemos conhecimentos advindos de séculos, se não milênios de reflexão, pela última novidade lógica, tecnológica, científica e pedagógica – ou os avanços da tecnologia científico-pedagógica (bomba de gás, spray de pimenta, tasers, balas de borracha).

Como então viveram as sociedades antes desta incrível descoberta do século XXI? Como viviam as pessoas no século XX, XIX, XVIII... I?

Como bilhões de pessoas em milhares de anos sobreviveram, prosperaram, criaram?
Sorte cara, puro acaso...

Difícil, sim. Quase impossível atribuir sentido quando o Bem, o Belo e a Verdade não são mais ideais interdependentes como na cultura clássica, quando na realidade são, atualmente, contraditórios.

Se é bonito, tem que ser ruim.
Se é verdadeiro, tem que ser feio.
Se é bom, tem que ser falso.

Nesse caso, não seja um feio mentiroso e malvado, porque nesse caso também teríamos uma contradição. Se você acha que pode ser os três, sem contradição, como uma necessidade intrínseca destes ideais, então você nasceu alguns milênios atrasado. Se fosse outro o caso, o de ser uma pessoa à frente de seu tempo poderia ficar tranqüilo, pois uma hora você seria alcançado por ele.

Moriteru Ueshiba
Felizmente, a noção de tempo não é mais cíclica, como era para aqueles ‘primitivos’ – ô povinho burro e sortudo sô –, que achavam que o tempo e o espaço poderiam ser renovados mediante rituais – macumba, né cara, macumba, a gente comemora o Ano Novo só por causa do feriado.

Agora o tempo é linear, tem começo meio e fim, cada coisa no seu lugar. A não ser que um físico venha com cálculos que compreendemos tão pouco ou muito menos que esses rituais nos dizer que o tempo é circular de novo, aí a coisa muda, é outra coisa, lavou tá novo.

Difícil, sim.
Quase impossível atribuir, ou encontrar o sentido, quando o ser humano, seus valores, suas ações, seus conceitos e sentimentos se acham tão estilhaçados e disputando por um lugar no vazio do espaço – espaço geométrico, espaço espacial tipo Star Wars, não igual o Projeto Saci I, saca bicho?

Difícil? Sim.
Quase impossível quando esperamos que a vida nos responda qual seu sentido, ao invés de perceber que se trata justamente do contrário (trilha sonora de reviravolta); que é a própria vida que nos faz esta pergunta: qual é o sentido de sua vida? Esse sentido te encurrala, de diferentes maneiras em diferentes momentos da vida, ele não é imutável, não tem como ser, e está aguardando pela resposta “pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?”

Sei que você, único leitor, – sou otimista demais! Sou brasileiro, não desisto nunca! Vou ganhar esta aposta! – está perguntando: E o que diabos tem haver Aikido e Educação nessa margaça? A resposta é simples e será dada no próximo capítulo.
                
Brincadeira! A resposta será dada agora mesmo, mas é simples.

O conhecimento nunca poderá ser completado, e por isso é tão valioso que continuemos sua expansão com a humildade que todo trabalho colossal exige – visto que nunca veremos sua conclusão.

A escolha pela educação é então óbvia, a educação que se aprende nas relações com os outros e tudo que isto implica no campo não só do pensamento, puramente intelectual, mas na esfera afetiva inclusive.

Vejo então a educação como algo indispensável para ser humano. Se alguns filósofos estão certos, não nascemos humanos, tornamo-nos. Tornar-se humano é mais do que fazer parte da espécie dos “animais humanos”, é mais do que dedicar-se à sobrevivência, mais do que satisfazer todas as suas pseudo-necessidades. É participar deste mundo eternamente mutável da cultura por meio do aprendizado constante e interminável em toda a sua riqueza de possibilidade. Adquirir amadurecimento intelectual, afetivo, físico, espiritual. Educar-se em todos os aspectos em uma compreensão inclusiva, e não exclusiva, capaz de abarcar as diferenças, respeitando-as, e isto não só conceitualmente, mas fisicamente.

Aikido começa aqui.

Como uma das poucas obras da modernidade que soube trazer consigo o que havia de melhor nos valores do passado, harmonizando com singular eficácia uma arte bela, boa e verdadeira com um ideal de uma vida mais harmoniosa, uma vida de disputa, não com o outro, mas consigo próprio. Uma disputa contra tudo aquilo que nos deixa letárgicos, acomodados, agressivos. Força não é o mesmo que agressividade. Isto o aikido ensina.

Disputar com os outros, não te torna melhor do que os outros – às vezes te torna até pior do que já era. Isto o aikido ensina.
Ter paciência consigo e com o outro. Isto o aikido ensina.
Aprender pela relação. Isto o aikido ensina.
Aprender pela colaboração e às vezes até pela resistência. Isto o aikido ensina. Esforçar-se para ser mais humano. Isto o aikido ensina.
Mas é difícil o aikido e é difícil aprender contra nós próprios, contra nosso tempo e os vícios de uma era. Aikido termina aqui.


         E aqui começa você. Trata-se de sua escolha, de sua decisão em aprender. Quanto a aprender, isto, ainda bem, não terá fim se não colocarmos um ponto final. Escolha...

3 comentários:

  1. Parabéns Tiagão! Excelente texto, tenho certeza que não sou o "único leitor" (hehe), creio que muitos quiseram saber sobre o desenrolar de todo o texto. Mais uma vez, parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Oh!

    Grande, grande!

    Muito bom texto, Brandão!

    ResponderExcluir
  3. na verdade acho que foi uma estratégia!
    ele fala um monte de coisas e só no finalzinho fala sobre aikido e educação! Puta falta de sacanagem...hehehehe

    mas o texto é bom mesmo!!!
    abraços a todos

    ResponderExcluir