segunda-feira, 9 de abril de 2012

Entrevista com Moriteru Ueshiba


por Stanley Pranin
Aikido Journal #118 (Fall/Winter 1999)
Traduzido por William Soares

Editor Stanley Pranin: Quando você começou a olhar para o aikido com olhar no seu futuro como herdeiro da tradição?
Doshu: Foi apenas quando eu me tornei um estudante universitário que eu comecei a buscar isso com consistência verdadeira. Eu tinha que ir para escola, então, eu só podia praticar algumas horas por dia, na parte da manhã ou de tarde, dependendo do meu programa de aulas. Acho que eu só praticava em média umas duas horas por dia. Durante as férias da primavera eu praticava uma hora extra, por exemplo praticando uma hora de manhã e duas horas na parte da noite, ou vice e versa. Mesmo depois de me graduar o ritmo continuou o mesmo até quando eu tinha aproximadamente trinta anos. Em torno de 1979 meu pai se adoentou por um período e a partir daquele momento em diante as obrigações com o ensino começaram a mudar o meu caminho gradualmente.

Você diria que o seu pai Kisshomaru teve a maior influência sobre você?
Ele costumava ensinar todos os dias de manhã e às sextas-feiras na parte da noite, então eu estava sempre nessas aulas. Eu participava de aulas com outros professores também, mas eu havia vivido toda a minha vida sob o mesmo teto de meu pai, então sem dúvida, o treino que eu tinha com ele era o que mais me influenciou.

Havia alguma coisa em particular que o seu pai enfatizasse ao falar como você a respeito da história do aikido?

Ele não falava muito a respeito desse tipo de coisa comigo. A maior parte daquilo que eu o ouvi falar sobre isso eu escutei depois de começar a treinar de forma mais regular com ele e quando eu o acompanhava a seminários, palestras e demonstrações. Ele nunca se sentou comigo enquanto estávamos em casa e disse, “Moriteru, isso é assim…” ou “Moriteru, essas são as coisas que eu quero que você saiba…”
Em todo o caso, desde o tempo em que eu nasci eu vivi junto com meu avô, o fundador do aikido, e meu pai o Doshu anterior, então eu tenho certeza de que eu fui influenciado por ambos de diferentes formas, mesmo se eles nunca falassem comigo especificamente sobre tais coisas. Eu nasci e fui criado em um ambiente de aikido, em todos os aspectos, técnicos e outros.

Que tipo de treino o seu pai lhe transmitiu especificamente?
Eu treinava com todo mundo, então nunca houve uma vez que ele me chamasse à parte para transmitir apenas para mim um treino especial. Ele sempre chamava a minha atenção para me dar alguns conselhos quando eu estava fora do tatame, por exemplo, para sempre executar minhas técnicas de modo limpo e cuidadosamente, para manter os meus quadris baixos, e para executar os meus movimentos de modo amplo. Mas em termos de como executar um nikyo ou sankyo ou qualquer outra técnica, eu tenho visto e experimentado essas técnicas desde que eu era pequeno e já as entendia, então eu nunca recebi nenhuma instrução particularmente detalhada a respeito delas. A maioria do que me foi ensinado tem a ver com os pontos maiores que eu acabei de mencionar.

Outra coisa que eu tenho que dizer é que, embora meu pai fosse também meu professor, quando nós íamos para casa à noite a nossa relação era apenas como qualquer outro pai e filho (risos).

Isso também inclui o tipo de estágio “rebelde” pelo qual muitos adolescentes passam em um ponto ou outro?
Bem, não, de fato eu nunca tive esse tipo de embate com meu pai, mas aparentemente eu fui algo aterrorizante na escola elementar (risos). Eu costumava me meter em todo o tipo de problema, e a minha mãe estava sempre sendo chamada para lidar com algo que eu tinha feito. Então eu acho que qualquer que fossem as necessidades de rebeldia que eu tenha tido, elas foram canalizadas para fora ao invés de ir de encontro ao meu pai.


Como você vê o papel de seu pai na história do aikido?
O aikido existe porque alguém o criou, mas o fato de que ele exista em sua forma atual é, em grande parte, devido ao acúmulo de resultados dos esforços perseverantes que o meu pai realizou durante toda a sua vida com base em seu entendimento das intenções do fundador. Eu acredito que é muito devido a esses esforços que o aikido tomou a forma que tem hoje, e porque ele se tornou popular e bem respeitado em todo o mundo atualmente.

Olhando ainda mais atrás, no processo de formulação do aikido o fundador viajou extensivamente e se dedicou a muitos diferentes tipos de treino , e ele foi capaz de realizar isso em grande parte graças ao apoio de meu bisavô Yoroku, que permitiu que ele trilhasse o seu próprio caminho e o ajudou nisso. Minha avó também o ajudou, da sua maneira, como esposa. Então, pelo aikido que temos hoje, nós devemos muito aos esforços acumulados de muitas pessoas diferentes.

Ao mesmo tempo, houve muitas condições favoráveis, por exemplo, o fato do Hombu Dojo ter escapado a destruição durante a Guerra. Eu também devo mencionar os esforços daqueles que trabalharam para que o Hombu Dojo do Aikido fosse legalmente reconhecido como uma organização sem fins lucrativos (zaidan hojin) mesmo antes da guerra. Ele foi reconhecido como tal pela primeira vez em 1940, como Zaidan Hojin Kobukai, e baseado niso foi postriormente reconhecido pelo Ministério da Educação como Zaidan Hojin Aikikai (Fundação Aikikai) em 1947.

Então o aikido existe hoje através da combinação de todos esses fatores: a sua criação pelo fundador, pelos esforços de meu pai como doshu, a sobrevivência do dojo durante a guerra, o estabelecimento do aikido como uma fundação sem fins lucrativos, bem como devido ao apoio que o fundador recebeu de seus pais, esposa e muitos outros.

Eu soube dos esforços desesperados que seu pai empreendeu para salvar o dojo das chamas que tomaram a maior parte de Tóquio durante a guerra.
Eu acho que apenas cinco outros prédios conseguiram ficar de pé nesta área. Mesmo o prédio exatamente ao lado foi queimado, então eles formaram uma brigada com baldes em um esforço frenético para evitar que as chamas consumissem o dojo também.

Tudo teria que ser iniciado, desde a primeira pedra, se o dojo tivesse sido destruído naquela época, então é muito significante para o desenvolvimento do aikido que ele tenha sido poupado.
Sim, eu também acho. Eu me lembro que quando eu era pequeno, não havia ainda muita atividade no Hombu Dojo. Durante um tempo o meu pai esteve em Iwama. Ele se casou lá, e por volta de 1949, ele trabalhou por aproximadamente sete anos numa companhia chamada Osaka Shoji. Ele não tinha outra escolha. Mesmo se você tem um dojo você não pode ganhar a vida se ninguém vem treinar, o que era o que acontecia depois da guerra. Então, ele conseguiu um emprego como um funcionário comum durante o dia e lecionava apenas de manhã e à noite. Conforme as coisas gradualmente começaram a se estabilizar ele, influenciado por várias pessoas a deixar a companhia e a se dedicar ao aikido integralmente. Acho que era um destino muito apropriado para o filho do fundador assumir uma posição de liderança, especialmente porque isso ajudaria a estimular o crescimento de afiliados.

Nós acabamos de ter a nossa 37º Demonstração Anual de Aikido [na Nippon Budokan], mas as demonstraçòes naquela época aconteciam em lugares como o telhado da Loja de Departamentos Takashimaya. Eu me lembro de ter ido lá com a minha avó para assistir a uma dessas demonstrações.

Eu acredito também que o meu pai encorajou entusiasticamente muitos estudantes universitários a treinarem no Hombu Dojo para que eles formassem clubes em suas faculdades, então, gradualmente, os dojos de aikido começaram a aparecer em muitas partes do país à medida que aqueles estudantes se graduavam e retornavam às suas cidades de origem.

Encorajar a formação de clubes universitários de aikido parece ter sido um elemento bastante importante para a difusão do aikido. Você alguma vez treinou em um clube universitário?
Não, eu estava ocupado treinando no Hombu Dojo, então eu não tinha nenhum interesse particular em treinar em um clube universitário. Claro que isso também tem a ver com fato de estar muito ocupado me divertindo com outras coisas (risos).

Eu ouvi dizer que você foi membro de um clube de caligrafia na universidade.
(Risos) Ah, isso foi… eu queria melhorar a minha escrita, mas eu devo confessar que eu não me engajei de maneira muito séria. Eu era membro do clube de caligrafia mas passava a maior parte do tempo fazendo outras coisas com meus amigos, como qualquer estudante universitário (risos).

Quando você começou a viajar para o exterior a fim de ensinar aikido?
A primeira vez foi em 1975, quando eu fui com Mamoru Suganuma Shihan para acompanhar o Doshu pela Europa. A atmosfera do treino era diferente dependendo do professor que era nosso anfitrião. Em todo o caso, era a minha primeira vez no exterior, então tudo era muito novo para mim. Eu me recordo de ficar particularmente impressionado, por exemplo, de que o nosso hotel em Roma tenha sido construído de forma a incorporar algumas ruínas antigas. Eu também me recordo de quão belo eu achei o mar de Cannes. Para dizer a verdade, a maioria de minhas lembranças daquela viagem têm mais a ver com fato de ter sido a minha primeira vez no exterior do que com o treino de aikido. Nós estivemos por lá apenas vinte e cinco dias, mas foi uma agenda apertada.

Eu ouvi dizer que o seu inglês é muito bom…
Eu dificilmente diria isso! Eu costumava falar um pouco, mas atualmente eu tenho a impressão que ele piorou! (risos)

Há aqueles que dizem que as técnicas a mãos livres (taijutsu) são a base do aikido, enquanto outros dizem que o aikido é assim chamado “budo-abrangente” (sogo budo) que inclui o uso de armas. Qual é a sua opinião?
É certamente verdade que o fundador freqüentemente treinava com armas como a ken (espada) e o jo (bastão curto) e explicava que isso era aikido; mas a maior parte de meu treinamento foi com o meu pai, o Doshu anterior, então eu sou mais inclinado a me apoiar na interpretação que ele expôs durante sua vida, que é aquela na qual as técnicas a mãos livres é que são a fundação do aikido.

Não estou dizendo que há alguma coisa errada em se treinar ken e jo, e as pessoas interessadas em estudar essas armas devem continuar fazendo isso de todas as maneiras possíveis. Não há razão para proibir tais coisas. Tudo bem se as pessoas querem utilizar o estudo de armas como parte de seu próprio treinamento, mas eu acho que é um erro insistir que elas são a base do aikido.

Você alguma vez teve a oportunidade de treinar com o fundador?
Muitas pessoas me fizeram essa pergunta. Eu sei que soaria bom e apropriado para a minha imagem se eu pudesse dizer “Sim, eu tive muitos treinos especiais com o fundador”, mas não é esse o caso (risos). Eu estava ao seu redor quando eu era pequeno, então eu o vi muitas vezes. Eu morei sob o mesmo teto com ele e freqüentemente o assistia treinar, e eu também freqüentai as suas aulas da manhã, mas eu não acho que havia algo especial em meu treino com ele. Algumas vezes o fundador costumava ensinar a toda a classe, mas na maioria das vezes era meu pai quem ensinava e o fundador costumava aparecer apenas de vez em quando para acrescentar sua explicação geral a respeito de algum ponto que estava sendo transmitido na aula. Essa foi a extensão de meu treino com ele. Algumas vezes durante a aula da manhã ele costumava me chamar para uma conversa amiga, como avô e neto, mas ele nunca me disse para treinar fora do tatame.

Você alguma vez o achou assustador?
Não particularmente. Eu imagino que seus estudantes possam tê-lo achado desta forma devido a sua relação professor-aluno, mas eu era apenas o seu neto e ele nunca se irritou realmente comigo da maneira que ele pode ter se irritado com outros. Na verdade, eu acho que ele nunca se irritou comigo a respeito de nada, mesmo quando eu era pequeno e costumava me sentar em qualquer lugar e bater em sua cabeça para me divertir. Eu não me lembro disso, mas eles dizem que eu costumava fazer isso! (risos)

A relação da família Ueshiba com a religião Omoto tem aproximadamente oitenta anos. Qual o significado que a Omoto tem para a família agora?
Obviamente meu avô foi enormemente influenciado pela seita Omoto no processo de criação do aikido, e particularmente por Onisaburo Deguchi Sensei. Meu pai foi criado naquele ambiente, mas eu não acho que ele foi influenciado por isso na mesma extensão que o seu pai foi. Ele foi sempre preocupado em manter e observar os vários ritos e funções relacionadas, mas ele não visitava a Omoto todo o tempo como o meu avô fazia, e eu também, não.

O fundador mesmo tinha construído um santuário Omoto e quando ele faleceu um cacho de seu cabelo foi santificado na maneira tradicional. Toda vez que comemoramos o Taisai (lit. “grande festival”, uma cerimônia anual para comemorar a passagem do fundador), nós temos pastores da Omoto associados com esse templo que vêm e executam as cerimônias, mas essa tradição é baseada na relação do fundador com a Omoto, não com a família Ueshiba. Na verdade, o templo da família Ueshiba ainda é em Kozanji na cidade de Tanabe na Prefeitura de Wakayama, e é ali que as cinzas do fundador estão enterradas. Aconteceu de Morihei Ueshiba ter sido muito influência do pela Omoto no processo de formulação do aikido, então essa relação permanece de certa forma, mas eu acho que a relação com o Kozanji como sendo o templo ancestral da família é a mais profunda das duas.

Durante a década de 70 houve um número de pessoas que deixaram a organização da Aikikai por várias razões, mas que depois quiseram voltar e foram permitidas. Me parece que esse tipo de mentalidade aberta de aceitação foi algo que o antigo Doshu Kisshomaru sentia ser extremamente importante. Com uma pessoa muito próxima a ele, eu gostaria de saber se você poderia nos dizer alguma coisa a respeito de seus princípios e de sua atitude a esse respeito?
O fundador sempre disse “que não há expulsão (hamon) do aikido”. Houve aqueles que deixaram a Aikikai, mas nunca foi porque alguém lhes disse para deixar. Meu pai teve sempre a mesma atitude. Se pessoas que deixaram a organização quiserem retornar, não há razão para impedi-las de fazê-lo. O único obstáculo talvez seja que aqueles que tenham deixado a organização por um tempo e retornam terão inevitavelmente alguma influência daqueles com quem estiveram durante todo aquele tempo. Mas aikido não tem nada a ver com eliminar ou remover o outro, é a respeito de construir harmonia, tem a ver com unir as pessoas. Esses são princípios fundamentais do aikido, e esse foi indubitavelmente o tipo de pensamento que moldou a atitude de meu pai como Doshu para tais situações.

Atualmente o aikido tem sido praticado fora do Japão por cerca de quarenta anos, e entre aqueles praticantes no exterior há muito poucos que começaram seus estudos com um professor da Aikikai no Japão, mas que já possuem seus grupos independentes. Mas há também aqueles que vêm ao Japão querendo desenvolver laços estreitos com a Aikikai. Como você acha que se deva lidar com tais situações?
Sob a forma tradicional de se pensar, forma mais correta seria a de se dirigir a um professor japonês que os ensinasse desde o início, mas para alguns grupos, devido algumas circunstâncias, isso se tornou impossível.

A Aikikai agora inclui um departamento de Assuntos internacionais. Pessoas que desejam desenvolver ou re-desenvolver relação com a Aikikai devem submeter o seu pedido, junto com toda a informação relevante, àquele departamento, depois disso, nós vemos o que pode ser feito. Cada caso é diferente, claro, mas uma vez que o processo apropriado é observado, eu acredito que tais grupos serão capazes de retornar à Aikikai.

Qual o significado para a Aikikai da Federação Internacional de Aikido que foi criada em 1975?
As pessoas que organizaram a Federação Internacional de Aikido ainda estão atuantes, então você deveria perguntar a elas ao invés de mim, mas, em termos gerais, eu acho que o propósito mais óbvio foi o de assistir o suave desenvolvimento do aikido no exterior. Isso foi há vinte e cinco anos atrás, e o mundo do aikido é consideravelmente mais amplo agora do que era então. Nesse ínterim, a facilidade com a qual podemos trocar informações agora, por exemplo, utilizando a Internet, bem como com o desenvolvimento de redes acessíveis de transporte, tornaram a experiência social de hoje muito diferente daquela que existia então.

A Federação Internacional de Aikido é organizada tendo em vista um modelo ocidental baseado na democracia e, desta forma, enfatiza a importância de relações laterais. Em contraste, a Aikikai é uma fundação sem fins lucrativos que tem suas bases em um sistema familiar mais tradicional – ou de linhagem – baseado no sistema iemoto com uma estrutura vertical muito forte. Como você acha que essas duas diferentes organizações – uma estruturada horizontalmente, a outra verticalmente – podem ser reconciliadas de tal forma que elas possam trabalhar juntas com sucesso?
As diferenças que você menciona, de fato, apresentam algumas dificuldades, mas mesmo se há algumas ondulações na relação, eu acho que as coisas, geralmente, funcionam muito bem entre as duas e não há muitas disputas sérias.

Há muitos não japoneses que possuem a idéia de que uma organização “democrática” é aquela na qual todos podem dar seu voto no processo de realizar decisões a respeito de temas importantes. Mas não seria mais correto entender a Federação Internacional de Aikido sob o guarda-chuva da Aikikai, e uma vez que os graus de dan são outorgados não pela Federação, mas pela Aikikai, não é realmente o iemoto que serve como fundação e tem todo o controle sobre tudo?
A Aikikai é, obviamente, a fundação mas isso não quer dizer que ela toma todas as decisões a todo o tempo a respeito daquilo que o outro lado deseja. Essencialmente a Aikikai é um conjunto de pessoas que originalmente se uniram com base na sua interpretação partilhada do aikido como foi criado por Morihei Ueshiba, pessoas que eram membros da organização que se desenvolveu com ele. Aquele grupo de pessoas foi, depois, reconhecido pelo governo japonês como uma entidade legal chamada de Aikikai.

As atividades da Aikikai incluem atividades no exterior, e a Federação Internacional representa um estabelecimento dentro dessa estrutura horizontal com suas próprias regras, regulamentações e oficiais. Naturalmente, decisões dentro de tal organização horizontal são definidas por suas regras principais e, de fato, seu estatuto especifica quais elas devem ser. Isso significa que há, inevitavelmente, instâncias nas quais as coisas não acontecem como a Aikikai acha que elas deveriam ser. Se você cria uma organização e lhe dá regras próprias, isso é o que naturalmente irá acontecer.

No entanto, como eu expliquei anteriormente, a Aikikai ainda é uma organização composta essencialmente de pessoas que concordam com o aikido criado pelo fundador e têm se unido de forma a respeitá-lo e a preservá-lo.

O aikido é um dos poucos budôs modernos que ainda mantêm o sistema iemoto. Também é um dos poucos dentre estes no qual o sucessor oficial do sistema continua realmente a praticar a arte. Qual você acha que seja o significado para o aikido de que o sistema iemoto ainda seja utilizado?
Aikido não é o tipo de arte marcial no qual há competição para determinar superioridade, mas, ao contrário, uma que busca realizar um ideal essencial de forjar respeito entre as pessoas. A questão é como iremos organizar e expandir de forma a alcançar esse ideal de maneira coordenada? A resposta – e isso não foi uma coisa que eu tenha pessoalmente decidido – é que o enfoque mais natural é basear essa organização no sistema iemoto que possui uma longa tradição no Japão. Eu duvido que haja muitos japoneses que questionem isso ou que achem isso estranho; isso é muito natural para nós. mesmo quando eu sou interrogado por um não japonês porque que isso deve funcionar assim, tudo o que eu posso dizer é que isso é parte de nossa herança, algo que é simplesmente parte de nós, como o DNA. Eu acredito que há coisas como essas que não podem ser explicadas muito bem (risos).

Sim, como você diz, isso parece muito natural, e a maioria dos japoneses parece aceitar isso assim. E o seu irmão mais novo? Ele tem algum interesse em sucedê-lo como doshu?
Ele nasceu e foi criado no mesmo ambiente no qual eu fui, e de fato ele até apareceu na 37º demonstração anual “All-Japan Aikido Demonstration”, que esse ano incluiu também uma cerimônia pela passagem de meu pai. No momento ele ainda está no terceiro ano do segundo grau, mas eu acho que ele se tornou mais interessado em aikido do que eu era nessa idade, e ele parece estar fazendo um bom trabalho se esforçando em seu treinamento (risos).

Olhando para a história do aikido, além do fato de ter sido muito influenciado pela Omoto-kyu, parece que ele gozou de apoio considerável de alguns indivíduos de alto status social. Enquanto morou em Ayabe ele teve contato com pessoas como Seikyo Asano e Almirante Isamu Takeshita, e depois, através dessa rede de relações, com pessoas como Gombei Yamamoto e outros líderes políticos da época. Muitas dessas conexões pré-guerra continuaram de certa forma depois da guerra, com pessoas como Kenji Tomita e Kin’ya Fujita se tornando diretores da Aikikai logo depois da guerra. O ex Primeiro Ministro Toshiki Kaifu foi outro que se tornaria diretor. Por favor, nos fale de sua percepção do tipo de papel que pessoas como essas tiveram no desenvolvimento do aikido.
Os períodos do pré e do pós-guerra foram eras diferentes para o aikido. Particularmente antes da guerra, o aikido era quase desconhecido no mundo e foi apenas através do tipo de apoio que você descreve que o fundador foi capaz de vir para Tóquio. Eu acho que o fato de pessoas como essas terem apoiado Morihei Ueshiba tão fortemente atesta a sua opinião de que ele realmente tinha alguma coisa maravilhosa para oferecer. Como você diz, esse tipo de relação também continuou após a guerra.. O Sr. Kaifu foi apresentado ao aikido através de uma conexão entre meu pai e o Sr. Yoshimasa Miyazaki.

O Sr. Kaifu realmente pratica aikido?
Sim, mais durante a época em que nós ainda tínhamos o velho dojo de madeira. Obviamente ultimamente ele tem estado muito ocupado com seu envolvimento no governo, então eu imagino que seja difícil para ele treinar agora. Antes e depois da guerra, Mitsujiro Ishii [ex alto-escalão da organização Asahi News que foi ativa em promover aiki budo e Daito-ryu aikijujutsu antes da Segunda Guerra mundial] estava cuidando da direção da Aikikai, e Sunao Sonoda, um ex membro do ministério, veio praticar todos os dias desde cerca de 1955 até o fim da década de sessenta. Eu também acredito que ele foi um dos presidentes da All_Japan Aikido Federation. Se você olhar nos antigos programas de demonstrações e eventos daquela época, você encontrará os nomes de pessoas como Ishii Sensei e Sonoda Sensei. O neto de Ishii também treinou aqui por um longo tempo.

O fato de que o aikido tenha tido esse tipo de apoio se deve em grande parte a maravilhosa personalidade de Morihei Ueshiba e do aikido que ele criou. Aquelas relações levaram a muitas coisas positivas e também, acredito, a muitas relações positivas na sociedade. Eu também mencionaria que foram os esforços subseqüentes de meu pai para compreender e disseminar o aikido que colaboraram para o seu desenvolvimento daquele ponto em diante, para, por fim ser acolhido por tantas pessoas quanto ele o é hoje.

Shigenobu Okumura Shihan uma vez disse em uma entrevista em um número anterior do Aikido Journal que as três grandes contribuições de Kisshomaru para o aikido foram a sua organização, transmissão e teorização.
Eu concordo. O aikido só existe hoje não apenas por causa da pessoa que o criou, mas também devido aos constantes esforços, durante anos, de outras pessoas que ajudaram a desenvolvê-lo. Foi por isso que o meu pai foi até mesmo honrado com uma comenda do governo japonês por seus serviços como doshu neste particular.

Que tipo de aspirações você possui como o terceiro Doshu da tradição do aikido? Que sonhos para o futuro do aikido você espera realizar?
Ah, eu sou muito perguntado sobre isso! (risos) Aikido foi criado por um homem, então desenvolvido e difundido por outro, o que então, eu posso fazer pelo aikido? A minha resposta é que, o que eu posso fazer pelo aikido, não é algo de grande escala. Eu acredito que o meu papel tem mais a ver com criar e manter um caminho no qual as muitas pessoas que ajudaram a trazer o aikido a este ponto – bem como aquelas que estão apenas descobrindo-o – possam continuar a caminhar juntas, um caminho que permite-as continuar praticando juntas com um espírito de amizade e solidariedade.

Quando eu era pequeno, o aikido era ainda muito pouco conhecido para a maioria das pessoas, mas isso mudou e agora há muitas pessoas que, pelo menos, já ouviram falar. Uma vez que já chegamos a esse ponto, a tarefa agora é continuar a se dedicar e a gerenciar isso de forma clara e organizada de forma que se reflita a essência do que isto seja. Então, ao invés de dizer que eu quero fazer isso e mais aquilo com o aikido, ou que o aikido deve ser desse a daquele modo, eu acho que é mais importante simplesmente ajudar a manter um ambiente no qual nós possamos continuar a fazer aquilo já estamos fazendo tão bem.

O seu estilo de vida mudou muito como resultado de ter assumido o papel como doshu?
Não muito. Antes da saúde do meu pai declinar nós costumávamos dividir as responsabilidades de ensino no Japão e no exterior, mas nos últimos dois anos de sua vida ele estava a maior parte do tempo incapaz de viajar ao exterior, então eu comecei a ir em seu lugar. Neste sentido pouca coisa mudou para mim, uma vez que eu já havia começado a assumir tais responsabilidades. É claro que, embora o que eu faça não tenha mudado, o sentido de responsabilidade que vem com o fato de ser doshu é certamente muito mais pesado, então nesse aspecto é completamente diferente.

Eu posso imaginar. Mas dado a sua personalidade, eu duvido que você será o tipo de líder que se senta em uma nuvem mas, ao contrário, o tipo que é amigável e fácil de se conversar e de se conhecer.
(Risos) Sim, eu espero que sim! O rosto de meu pai aos quarenta e oito anos de idade era um pouco mais rígida do que a minha na mesma idade. Claro, ele era muito mais fácil do que a sua expressão sugere, eu acho principalmente porque ele foi simplesmente criado em uma era mais difícil e diferente.

O ambiente dos anos de guerra deve ter muito a ver com isso. Parece haver uma diferença entre pessoas que viveram aquela era das que não viveram.
Para ser claro, pessoas de sua geração tendem a ter um certo grau de austeridade.

Bem, eu não acho que fui capaz de lhe dar o tipo de resposta que você estava esperando. Há, provavelmente, pessoas esperando que eu diga coisas como, “Sim, como o neto do fundador eu treinei diligentemente desde o tempo que eu era pequeno”, mas infelizmente eu nunca poderia dizer desta forma (risos).

Muito pelo contrário, eu aprecio a sua franqueza, como tenho certeza que a maioria de nossos leitores e outros na comunidade do aikido apreciarão. Muito obrigado por compartilhar seu tempo e pensamentos conosco!

Traduzido para o inglês por Derek Steel

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