sexta-feira, 22 de abril de 2011

“Aos quinze anos resolvi aprender”


Texto Enviado por Thiago Tauhata, faixa preta Academia CLAM, Goiânia


Dando continuidade ao texto "Aikido e Educação", serão colocados periodicamente no blog excertos do livro de Anne Cheng, "História do Pensamento Chinês". Livro de história intelectual recomendado a todos que queiram conhecer melhor a filosofia oriental do extremo oriente e que não considerem, como afirmaram Heidegger ou Hegel, que a "filosofia fala grego".

Não desenvolvendo uma arte de criar conceitos, a filosofia chinesa expressa uma tendência ao sincretismo. Não procede, assim, tanto de maneira linear ou dialética, mas em espiral. As contradições não são, portanto, percebidas como irredutíveis, são antes alternativas, oposições complementares. Para além de uma contradição estática, há alternância entre os opostos em um equilíbrio dinâmico, passando do indiferenciado ao diferenciado, do Yin ao Yang.

Desta maneira, o pensamento chinês não opera por um conjunto de definições que delimita um objetivo. Descreve, sim, círculos ao redor deste. Melhor dizendo, espirais, que vão aos poucos estreitando os círculos e aprofundando a análise. No caso, "aprofundar significa deixar descer cada vez mais fundo dentro de si, em sua existência, o sentido de uma lição, de um ensinamento, de uma experiência pessoal. Servem menos para raciocinar e mais para serem frequentados, praticados e, finalmente, vividos." Não é a busca por um prazer puramente intelectual, não o raciocinar sempre melhor, mas o viver sempre melhor sua natureza de homem em harmonia com o mundo."

Começaremos por Confúcio, filósofo que inaugura um novo modo de reflexão que influenciará o pensamento oriental por mais de 2.500 anos. Desejo então a todos, uma boa leitura, uma boa reflexão, uma boa prática, uma boa vivência.



“Aos quinze anos resolvi aprender”

Nos Analectos, ouve-se pela primeira vez na história chinesa a voz de alguém que fala em seu próprio nome, em primeira pessoa, assumindo a dimensão de um verdadeiro autor. A palavra de Confúcio é de imediato e resolutamente centrada no homem e na noção do humano, tema central deste fato filosófico. Três “pólos” se destacam como essenciais na articulação de seu ensinamento: o aprender, a qualidade humana e o espírito ritual.

De que se trata, exatamente, no Analectos?  Nestes fragmentos de conversações sem nexo, é impossível entrever algum sistema, nem mesmo assuntos ou temas tratados de maneira elaborada, e no entanto sobressai a impressão nítida de que Confúcio quis transmitir uma mensagem bem precisa. Trata-se, no fundo, de como tornar-se um ser humano pleno. Temos aqui um livro cheio de vida, e mesmo um livro de vida, do qual o Mestre nos indica as grandes etapas:

Aos quinze anos resolvi aprender. Aos trinta, eu estava firme no Caminho. Aos quarenta, eu não tinha nenhuma dúvida. Aos cinqüenta, eu conhecia o decreto do Céu. Aos sessenta, eu tinha um ouvido perfeitamente afinado. Aos setenta, eu agia segundo os desejos de meu coração, sem por isso transgredir norma alguma.

Confúcio foi antes de tudo um mestre e todo o seu pensamento está contido em seu ensino. No início há o “aprender” e o lugar central que este ocupa em Confúcio corresponde à sua íntima convicção de que a natureza humana é eminentemente perfectível: o homem – todo homem – é definido como um ser capaz de melhorar, de aperfeiçoar-se indefinidamente. Pela primeira vez numa cultura aristocrática fortemente estruturada em castas e clãs, o ser humano é tomado em sua totalidade – não diz o Mestre: “Meu ensinamento está aí à disposição de todos, sem distinções.”? Pode-se, portanto, falar de uma aposta universal no homem e de um otimismo inato a respeito do homem, mesmo que Confúcio não chegue a afirmar, como o fará mais tarde Mêncio, que a natureza humana é boa.
           
O “aprender” é o tema justamente da primeira frase dos Analectos:

“Aprender alguma coisa para poder vivê-la a todo momento, não é isto fonte de grande prazer? Receber um amigo que vem de longe, não é a maior alegria? Ser desconhecido dos homens sem se perturbar, não é a maneira de ser do homem de bem?”
           
Confúcio não começa por um doutrinamento qualquer, mas pela resolução de aprender tomada pelo ser humano que se engaja no caminho da existência. Trata-se não tanto de um processo intelectual, e sim de uma experiência de vida. De fato, não há um fosso entre os dois, entre a vida do espírito e a do corpo, entre teoria e prática, empenhando o processo de pensamento e de conhecimento a totalidade da pessoa. O aprender é uma experiência que se pratica, que se compartilha com os outros e que é fonte de alegria, em si mesma e por si mesma. Em outro lugar, Confúcio diz que “os antigos aprendiam em vista de si mesmos e não em vista dos outros”, no sentido de que não procuravam nem o prestígio nem mesmo a aprovação. O aprender encontra, portanto, sua justificação em si mesmo, e implica a aceitação de permanecer “desconhecido dos homens sem se perturbar”. Trata-se de aprender, não para os outros, mas junto aos outros. Tudo proporciona ocasião para aprender, já que se aprende sobretudo no intercâmbio:

“O Mestre diz: ‘És capaz, segundo dizes, de recitar as trezentas Odes? Mas imagina que, incumbido de uma função, não estejas à altura ou que, enviado em uma missão em terras estranhas, não saibas responder por tua própria autoridade: de que te servirá toda a tua literatura?’
O Mestre diz: ‘No estudo dos textos antigos, não creio ser mais medíocre do que algum outro; mas, quanto ao comportar-se como verdadeiro homem de bem, não creio tê-lo conseguido!’
O Mestre diz: ‘Possuir o conhecimento, eu? Absolutamente! Se o homem mais humilde vier informar-se junto a mim, sinto-me como que vazio: esforço-me então para ir ao fundo da questão sem soltar as duas pontas.’
O Mestre diz: ‘Um jovem deve ser respeitoso: em casa com os pais, na sociedade para com os mais velhos. Ele é sério e digno de confiança. Sua simpatia se estende a todos os homens, privilegiando embora os que praticam a virtude da benevolência. E se ainda lhe sobra tempo, pode consagrá-lo a aprender a cultura.”
O objetivo prático da educação é formar um homem capaz, no plano político, de servir à comunidade e, ao mesmo tempo, no plano moral, tornar-se um “homem de bem”, constituindo os dois planos um plano só, já que servir a seu príncipe equivale a servir a seu pai. Numa época em que a educação é privilégio de uma elite, Confúcio afirma que tal privilégio deve ser apreciado em seu justo valor e vir acompanhado de um senso das responsabilidades. Longe de querer subverter a ordem hierárquica – preconizando, por exemplo, a educação como meio de ascensão social, mesmo que isso venha a tornar-se um processo inevitável ao longo de todo período pré-imperial – Confúcio, pelo contrário, serve-lhe de fiador, mas insuflando nela um senso moral: a responsabilidade dos membros da elite instruída é precisamente governar os outros para seu maior bem. Assim esboça-se, desde o início, o destino “político” (no sentido amplo) do homem instruído, que, em vez de manter-se retirado para melhor cumprir um papel de consciência crítica, sente em si, pelo contrário, a responsabilidade de empenhar-se no processo de harmonização da comunidade humana.

     
Aprender é aprender a ser humano


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